terça-feira, 5 de março de 2013

COWBOYS & ALIENS (Jon Favreau, 2011)



O Western, enquanto género ou conjunto de convenções iconográficas e narrativas, situa-se na génese dos principais veios da cultura popular, quer na literatura, quer no cinema, desde o Policial e o Road Movie (por motivos óbvios), até, de forma mais subtil, à aparentemente irrelacionável Ficção Científica: e no entanto, são múltiplos os pontos de contacto entre um e outra, desde o ímpeto de expansão para novas fronteiras – uma actualização da doutrina do manifest destiny americano, tão bem corporizado na série Star Trek (1966-1969) – até à anomia de sociedades pós-apocalípticas como aquelas que encontramos representadas em MAD MAX (1979-1985) e seus infindáveis derivados assinados por Enzo G. Castelari (a trilogia do Bronx), Robert Hayes (SHE-WOLVES OF THE WASTELAND) ou Donald Jackson (HELL COMES TO FROGTOWN), para citar apenas uma ínfima parte, que são autênticos westerns em tudo menos no nível (pós)tecnológico.


Provavelmente, foi este grau de proximidade genética, aliado a um grau de proximidade do registo histórico, que ditou que fossem escassas as obras de Ficção Científica que abordassem cenários tecnológicos no velho oeste. Ou isso, ou o facto de o filão ter sido quase exaurido na série de televisão The Wild Wild West (1965-1969), que na sua segunda série (1967-1968), conta inclusivamente com um episódio (“The Night of the Flying Pie Plate”, ep.06), que nos apresenta a chegada de um disco voador tripulado por homenzinhos verdes (neste caso, mulheres verdes), mas que na realidade não passa de um esquema do Dr. Loveless para roubar um carregamento federal de ouro! Parece-lhe familiar? Então é porque já viu COWBOYS & ALIENS, que se limita a literalizar a presença de seres alienígenas para contar a mesma história.




Serve este breve introito para expressar a minha total incompreensão pelas sucessivas declarações de Steven Spielberg (produtor executivo), Roberto Orci e Alex Kurtzman (co-argumentistas) e Scott Mitchell Rosenberg (autor da novela gráfica original, que não li, nem tenciono ler), espalhadas um pouco por todas as publicações especializadas e em entrevistas no DVD (Paramount, R2), que parecem apontar para a descoberta de um conceito tão revolucionariamente novo que faria Dan O’Bannon corar de vergonha por nunca ter pensado nele. Porém, esse é um dos principais problemas com o filme em apreço (e, presumo, da novela gráfica a que vai buscar o título): é uma ideia que pouco adianta para além do conceito, bem patente no título do filme. COWBOYS & ALIENS (que na realidade poderia chamar-se ÍNDIOS & COWBOYS & ALIENS, tornando ainda mais claro o carácter de fantasia infantil que, curiosamente, Olivia Wilde parece intuir na sua entrevista na featuretteGetting the Story”, incluída no DVD), apontam claramente para um ponto de partida que precisaria de muito mais do que apenas cowboys e aliens para funcionar como um todo integrado.



E não são poucos os problemas que se colocam a uma tal premissa: a proximidade do registo histórico, completamente estéril no que toca a lendas que se prendam com o avistamento de OVNI ou contacto com criaturas alienígenas (não obstante a vaga de avistamento de imaginados dirigíveis e charutos voadores que, na sequência da visita do balonista francês Charles Durant e outros aeronautas que, na década de 1830, prendiam a imaginação popular, surgiam de quando em quando nos jornais da época) aumenta o grau de dissonância entre tais conceitos e a dificuldade de os integrar de forma coesa e coerente; o que é dificultado pela tarefa de criar uma narrativa que justificasse o porquê de nunca se terem encontrado rastos ou restos dessa intervenção de uma tecnologia extra-terrestre superior, que não passe pelas frágeis construções de teorias conspirativas derivadas de Roswell (e que já fragilizara o INDIANA JONES AND THE KINGDOM OF THE CRYSTAL SKULL de Spielberg).


O resultado é sintetizável em poucas linhas, o que não deve ser utilizado contra si, já que estamos no reino do primado da ideia: uma espécie alienígena visita a Terra em busca de ouro, e procede à abdução de dúzias de americanos, entre os quais um assaltante reformado (Daniel Craig), e o filho de um poderoso rancheiro na linha de Chisum (Harrison Ford), a quem o primeiro roubara uma fortuna em ouro, fazendo com que ambos, depois de Craig ter conseguido escapar, amnésico, se aliem no comando de uma posse em busca dos seus entes queridos. Pelo caminho recrutam a ajuda do antigo bando de Craig, de uma tribo de índios igualmente vítima da rapina alienígena, e de uma atractiva alienígena de uma espécie rival que não só é capaz de ressuscitar, como no final, à laia de Cristo, sacrifica-se para salvar a espécie humana. 



Se a trama em si é linear e não onera grandemente a inteligência do espectador, que pode dispensar as principais funções cognitivas para a acompanhar, o problema não é minimamente minorado pela intervenção de Orci e Kurtzman no argumento, reforçados com os poderes de co-produção; Orci e Kurtzman, para mim, são o equivalente moderno do Joe Ezterhas dos anos 80 e 90, deixando no seu caminho um rasto de filmes medíocres – THE ISLAND (2005), TRANSFORMERS (2007-2011) e STAR TREK (2009), para citar os principais – que escondem a inépcia da escrita através de uma ininterrupta tempestade sonora e de efeitos especiais que anestesiam a mente e adormecem o intelecto numa emulsão exclusivamente sensorial. Mas num filme em que, pela sua própria natureza, os efeitos especiais devem ficar contidos à intervenção extraterrestre, respeitando o ambiente convencional do cinema do oeste, a fragilidade do argumento fica a nu. E é impossível esconder o quão o filme depende de vários deus ex machina para evitar ficar atolado em situações absurdas e perfeitamente dispensáveis. Seja a primeira intervenção alienígena que permite ao filme sair-se do impasse em que se colocara com Craig e Paul Dano acorrentados à mercê de Ford, passando pela ressurreição de Ella (Wilde) quando parecia impossível evitar que os índios massacrassem a posse de Ford e Craig, até ao cliché do letrado pacifista que não consegue acertar um único tiro numa garrafa de vidro ao longo de todo o filme mas que em pleno ardor da batalha desfecha um tiro certeiro na cabeça de um monstro alienígena, evitando um triste fim para uma das personagens principais (Ford).


Por vezes, é possível evitar que os espectadores reparem nestas facilidades de escrita absorvendo-os com personagens interessantes e bem construídas; mas as personagens que habitam este Oeste selvagem composto de lugares comuns são também elas meras figuras de papelão, elementos que devem chegar o mais rapidamente possível à próxima cena de acção para permitirem que aquilo que verdadeiramente interessa – os efeitos especiais da “Industrial Light & Magic” – possa assumir o seu carácter de centralidade. Para os que ansiavam pela alta intensidade de ver o novo James Bond contracenar com o imortal Indiana Jones, o filme não pode ter-se revelado senão uma tremenda desilusão. Não existe uma única cena que consiga gerar a mesma intensidade que marcava a mera conversa num café entre Al Pacino e Robert de Niro em HEAT (1995), num outro ansiado confronto de gigantes. 



E se Harrison Ford ainda consegue fazer aflorar momentaneamente uma personalidade forte quando conta ao miúdo que os acompanha como cortou a garganta do próprio pai que agonizava às portas da morte, com a mesma faca que acabara de oferecer à criança que se fascinara com ela (“Be a man”, diz-lhe ele), Craig não dispõe de qualquer oportunidade para transcender a mera prestação física da sua interpretação (embora me tenha deliciado com a cena em que pede a Dano (no papel de Percy Dollarhyde) que lhe dê a mão, dizendo-lhe que sabe como libertá-lo das correntes, o que faz partindo-lhe os ossos da mão).



Amnésica, a sua personagem busca claramente explorar a memória que todos temos do magnífico Pistoleiro Sem Nome popularizado por Clint Eastwood na trilogia de filmes de Sergio Leone (1964-1967). Um homem sem nome e sem memória é um homem sem passado, porém, qualquer passado que pudesse adensar o mistério é desde logo dissipado por recorrentes flashbacks que nos revelam que Craig era apenas um bandido que enganou os companheiros por causa de uma mulher. Mais tarde, quando conhecemos o bando que costumava liderar, não encontrámos um único elemento inteligente ou que vá além da mera caricatura oriunda da central de casting. Nem enquanto líder bandoleiro Craig possuía qualquer grandeza. Lembram-se quando em A FISTFUL OF DOLLARS (1964) depois de a personagem de Eastwood (Joe na versão italiana) ter sido estabelecida como um tipo implacável e movido unicamente pelo seu próprio interesse, parece inverter essa imagem ao arriscar-se para salvar Marisol, que os Rojos mantêm cativa? Quando ela lhe pergunta porque o fez, ele responde sem grandes detalhes: “Once I knew someone like you, and there was no one to help”. Dessa simples situação resulta mais personalidade e densidade de carácter do que em toda a prestação de Craig.


No mais, com a necessidade de obrigar à identificação dos espectadores com as personagens principais, e tendo os alienígenas como principais adversários, nenhuma das personagens pode ter qualquer defeito ou marca de vilania; o próprio Coronel Dollarhyde (Ford), que desde logo nos é apresentado como um déspota cruel, violento e injusto, revela-se tudo menos isso, e não o vemos cometer um único acto repreensível ao longo de toda a metragem. Pelo contrário, ele é o prototípico personagem Spielberguiano, um pai que procura o filho, tendo uma outra figura filial como ponto de comparação. Em nenhum momento qualquer personagem humana ameaça sequer com a possibilidade de fraquejar ou de trair o grupo. E quem gostava de ver uma possível relação Donifon (John Wayne) / Liberty Valance (Lee Marvin) desenrolar-se contra o pano de fundo de uma invasão alienígena, fará melhor em revisitar o THE THING (1981) de Carpenter, onde a paranoia e a desconfiança são os elementos predominantes entre as personagens.



Num cenário de tal mendicidade imaginativa, ao invés de concentrado na diegese o espectador está a formular uma pergunta após a outra: Para que querem os alienígenas o ouro, se no interior da sua nave (uma construção claramente inspirada nas pranchas do seminal ARZAK de Moëbius, adapatado para série de animação – ARZAK RHAPSODY (2003) – pelo próprio Jean Giraud), não vemos uma única peça dourada e os aliens não usam sequer vestuário quanto mais adereços? A única resposta (para disfarçar a falta de uma credível) é a que nos é dada por Ella – “O ouro é tão escasso para eles como o é para vós.” – o que faz pressupor uma economia de mercado baseada no padrão-ouro, como a nossa; pelo menos no referido episódio de The Wild Wild West, os falsos venusianos precisavam do ouro como combustível para a sua nave. Como é possível que a arma alienígena que Craig consegue (meio acidentalmente) arrebatar ao cientista alienígena (que significativo é que o único cientista do filme seja alienígena e uma espécie de Dr. Mengele) que o estava a operar funcione através das suas ondas mentais? De onde veio Ella, como chegou cá, porque não traz consigo uma única arma? E, mais significativamente, talvez, porque escolher adoptar a forma de uma mulher (armada com um revólver) numa época dominada pelo estereótipo do pistoleiro? Terá avaliado mal a cultura do planeta onde veio parar? Para os que pensem que é uma pergunta misógina, perguntem-se que forma escolheria uma galinha se pudesse metamorfosear-se para escapar à panela. Certamente que não a de uma sexy pistoleira, sobretudo se os cozinheiros também estivessem armados e não se importassem de fazer o gosto ao dedo. E porque acha ela que se destruírem todos os elementos da guarda avançada alienígena, os demais não investigarão o que se passou? 



Perguntas que ficam sem responder e que chamam a atenção para as demais contradições do argumento: o motor da narrativa é o rapto/abdução de várias pessoas por parte dos ETs. Ella explica que os alienígenas estão a estudar os pontos fracos da espécie humana, preparando a invasão. No entanto, quando é necessário pensar uma estratégia para resgatar os abduzidos da aparentemente impregnável fortaleza/nave, a solução é atrair os alienígenas para o exterior, pois como eles não consideram que os humanos sejam minimamente perigosos ou sequer particularmente engenhosos, os deixarão sem guarda. E como solucionar a intrusão na fortaleza alienígena – que arrastaria mais uns milhões em cenários digitais e pelo menos mais meia-hora de filme – senão colocar Ella a dizer que os alienígenas afinal vivem em cavernas pois não suportam a luz do sol, se depois os vemos a mover-se livre e eficazmente sob o sol do deserto, e no final os vemos no interior da nave reunidos em torno do ofuscante gerador? E que dizer da abusada falha estrutural que desde o original STAR WARS (1977) serve para argumentistas preguiçosos e pouco imaginativos destruírem facilmente uma superestrutura inexpugnável? 




COWBOYS & ALIENS fica-se pela mera ideia. Mas se a Ficção Científica já foi considerada a Literatura de Ideias, só uma ideia não chega para fazer um bom filme de Ficção Científica. Talvez por isso Favreau, Orci e Kurtzman recorram desesperadamente a tantos momentos icónicos de filmes anteriores, desde JURASSIC PARK (1993) (o momento já referido entre Ford e o miúdo, que ecoa aquele outro entre Sam Neil e um outro miúdo, tendo uma garra de velociraptor onde este tem uma faca), até ao final de I, CRUDELI (1967), onde o vilão também termina coberto com o ouro derretido que tinha roubado. Atrever-me-ia a identificar um paralelo mais subtil entre o alienígena que mata a mulher de Craig, e que este deixa marcado com uma cicatriz, e o duelo de John Wayne, em THE SEARCHERS (1956), com o chefe índio Scar (cicatriz), que para o Ethan Hawke de Wayne é tão alienígena como o mais foleiro monstro de CGI, mas um tal paralelo parece-me totalmente fora do alcance de Orci e Kurtzman – mas não já de Spielberg que, ao que consta, aprendeu a fazer cinema com John Ford. 



A realização de Jon Favreau, competente ao leme de IRON MAN (2008), apresenta-se aqui no mesmo modo confiante de cruzeiro que tornara IRON MAN 2 (2010) um exercício frustrante, levando-me a crer que, tal como Orci e Kurtzman, Favreau confia em demasia na capacidade dos efeitos especiais obliterarem os demais defeitos do filme. Mas nenhum efeito especial consegue transformar uma direcção ociosa num trabalho competente.

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